Existe “saúde mental”?

Você já deve ter se deparado durante sua navegação nas redes sociais ou mesmo em sites de notícias e/ou conteúdos que durante e após a pandemia de COVID-19 no Brasil e em outros países, um dos temas mais divulgados (e de alto interesse) é a tal “saúde mental”. Mas, será que existe uma saúde essencialmente mental ou ela também depende do complexo funcionamento bioquímico e dos hábitos do cotidiano? Para responder esse importante questionamento, precisamos primeiro, compreender que as emoções, a bioquímica, o funcionamento dos sistemas e órgãos, as experiências vividas e os hábitos diários estão diretamente relacionados à qualidade de vida e saúde integral.

Nesse primeiro diálogo, iremos partir do viés bioquímico, que nos faz perceber que os comportamentos e as emoções são resultados de uma sofisticada e complexa atuação e relação de inúmeros elementos químicos – não existe emoção sem substância – e que buscar a homeostase sem esse entendimento, impede muitas vezes, a eficácia dos tratamentos atuais. Assim, precisamos entender que o cérebro (físico) é uma “máquina” (órgão) da mente, ou seja, a capacidade humana de pensar, projetar, sentir e imaginar depende de complexas reações químicas que ocorrem a partir da relação entre nossos genes com o meio endógeno (interno) e exógeno (externo). E dependendo das informações e influências que chegam até nossos genes pela membrana celular, podemos ativá-los ou silenciá-los – a essa influência damos o nome “epigenética”
(guarde esse termo, pois durante nossos encontros, iremos entender cada vez mais como ele impacta a nossa “saúde mental”).

Seguindo esse raciocínio, quando pensamos em transtornos mentais (ou ausência de “saúde mental”), é comum aceitarmos a tese da importância dos sistemas dopaminérgico, serotoninérgico e noradrenérgico para a neurotransmissão e consequente ativação do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal). Esse entendimento gerou na história uma verdadeira caçada por drogas que pudessem equilibrar esses sistemas e eixos. Porém, com o avanço das pesquisas, percebeu-se a
existência de inúmeras substâncias químicas essenciais para que ocorrem neurotransmissões eficientes para a garantia da “saúde mental”. Atualmente, já é válida a compreensão da existência de múltiplos neurotransmissores relacionados aos transtornos psiquiátricos, mas precisamos ultrapassar esse determinismo, pois a doenças não apresentam uma causa única, mas sim um contexto amplo que envolve: genética, epigenética, período gestacional, meio ambiente, resposta imunológica, agentes estressores desde tenra idade, eixo intestino-cérebro, carência nutricional, estresse oxidativo, neuroinflamação, desafios emocionais, traumas, crenças, aprendizado associativo, qualidade da formação de janelas da memória e as respostas psicológicas e somáticas diante desses estímulos.

Nesse contexto, para manter ou reequilibrar a “saúde mental”, não devemos apostar em apenas um remédio milagroso ou ferramenta única, mas precisamos nos apoiar num trabalho multidisciplinar que englobe “corpo e mente” de forma sistêmica e simultânea, pois cada ser humano é bioquimicamente único, bem como as doenças que também apresentam (mesmo com semelhanças) relações únicas com os terrenos biológicos onde estão se desenvolvendo. Dessa forma, os sintomas podem ser parecidos, mas as causas e as respostas terapêuticas podem ter suas particularidades.

Para ficar ainda mais compreensível essa reflexão, vou utilizar o exemplo do “estresse”. Muitos podem relacionar esse desafio à elevação da resposta de cortisol pelo eixo HPA, mas inúmeras pesquisas demonstram que o estresse não está relacionado apenas a esse fato, pois existem inúmeras formas de “estressar” o nosso corpo, como por exemplo: estresse inflamatório, estresse isquêmico, estresse metabólico e estresse oxidativo – capazes de gerar instabilidades em todas as fases da vida, criando assim, um terreno fértil para o surgimento de doenças (inclusive, psiquiátricas). Podemos, então, entender que a ciência já está nos apresentando provas de que os “distúrbios do corpo físico” podem ser fontes de distúrbios psiquiátricos, mas isso não quer dizer que estamos negando a influência das causas genéticas e/ou psicossociais dos transtornos mentais, apenas estamos analisando de forma multifocal essas causas. E que é urgente tomarmos consciência dos nossos hábitos diários (aprendidos durante toda nossa existência), como: alimentação, qualidade do
sono, qualidade dos pensamentos, qualidade dos elementos culturais presentes em nossa rotina, realização de exercícios físicos, conhecimento da nossa história familiar e da nossa própria história, da sociedade e do impacto dos elementos externos na nossa vida. É como sempre digo: nos preocupamos em conhecer o carro que dirigimos, a qualidade do combustível e do óleo que utilizamos, mas não nos preocupamos em conhecer o principal meio de transporte da nossa
vida: o nosso corpo e principalmente, do preparo do motorista (nosso Eu – um tema para nossas próximas conversas). Mas, gosto também de deixar algo claro para todos: não existe 100% em nada na nossa vida – não precisamos (até porquê não conseguimos) buscar a perfeição, mas podemos sim buscar a eficiência a partir da reflexão de cada escolha que tomamos diariamente, aliás, o que é nossa vida e nosso destino se não um conjunto de escolhas de cada dia?

Por Marcos Pereta
Psicoterapeuta com pós-graduação em Nutrição Clínica Ortomolecular, pós-graduação em Neurociência e especialização em Teoria da Inteligência Multifocal e Gestão da Emoção
@m.pereta
www.mpereta.com.br

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