A cultura Pop sem Wi-Fi

Recentemente… Dar início à um texto com “recentemente” é de cair os cabelos do reto. Parece coisa de quem tem mais de setenta anos (risos). Pois bem, no século passado, a forma e a maneira de interagir era algo completamente diverso aos tempos atuais, sem a distração de celulares, computadores, internet, e toda outra forma de abdução eletrônica. Apesar das dificuldades enfrentadas à época, tudo parecia ter uma “idiossincrasia social” anômala a hoje. A interação era necessária, pois, retratada um tempo em que as trocas de experiências eram pertinentes e necessárias, assim como hoje, porém numa maneira diferente. Os reflexos vividos pelos mais velhos impulsionavam aos de tenra idade. Antigamente (lá vou eu novamente me rotular como um ancião), os jovens aproveitavam um descuido de sua mãe para então, dar aquela escapada da vigilância quase militar e assim poder se encontrar com a liberdade chamada rua. Lá (na rua) era o local perfeito para todo tipo de traquinagem e experiências reais que um ser mortal pudesse experimentar. Confesso que muitas das experiências costumavam deixar marcas pelo corpo, inclusive, muitas ainda se encontram estampadas na pele em formato de cicatrizes, pontos, cirurgias e outros métodos não tão ortodoxos. O frenesi era podermos nos reunir em uma casa de instrumentos musicais para ouvir discos de vinil (se você não sabe o que é um disco de vinil, com certeza tem menos de quarenta anos de idade). Passado algum tempo surgiu o shopping center e com ele boa parte dos jovens migraram para esse novo point onde a coqueluche era ouvir as fitas cassetes que, curiosamente para rebobinar utilizávamos uma tecnologia de última geração (um lápis ou caneta enfiado no buraco da fita cassete e ficávamos girando aquela joça até chegar a outra extremidade da fita magnética). Se você está com extrema dificuldade para entender esse dialeto todo utilizado, recomendo que busque ajuda do seu avô ou dos pais com mais de quarenta para orientá-lo, pois, talvez nem a busca no google encontre essas explicações. Entretanto, se a leitura está despertando alguma emoção em você é sinal que realmente não tem nada mais importante a fazer e, então vamos continuar com o saudosismo tecnológico de outrora. Nos idos (fala a verdade?!, “idos” é chique, não é?) dos anos 90 a tecnologia trouxe o item mais desejado pelos jovens e DJ’s, o CD e com ele uma inovação em termos de musicalidade. Muito mais compacto e fácil de acondicionar, sem contar a qualidade sonora e o resultado psicológico a quem conseguisse comprar um aparelho de som portátil com toca CD’s. Aquilo era o ápice da atualidade, era como se você tivesse acabado de ganhar um iphone 13 pro max 512G com garantia eterna e sem as 24 parcelas para pagar. Acabei me empolgando, pois me vi naquele momento (risos), mas retomemos a nossa programação atual. Esse convívio experimentado nas ruas com os amigos nos trazia enorme prazer, mesmo porque, somos homens e dependentes de companhia e tudo fazia sentido. Nesse período vivemos intensamente emoções, fossem eles boas ou más (quando a mãe ia ao nosso encontro na rua, com certeza prevaleciam as más). Aos domingos era tradição no almoço, o bom e velho frango assado com macarrão alho e óleo e com ele o tão sonhado litro (1 L) de Coca-Cola que rendia para as quinze pessoas presentes. Aprendíamos que o pouco era para ser compartilhado e rendia muita mais que hoje, apesar da fartura e das melhores condições financeiras atuais. A TV que estivesse em condições plenas de uso, precisava de uma antena espinha de peixe (essa era a melhor da época), porém o toque granfinale era colocar um pedaço de palha de aço na ponta da antena ou então alguém tinha que subir no telhado para ficar girando a bendita antena até que outro que estava defronte a TV gritasse, “aí tá pegando bem, pode parar”. Não para por aí, após essa manobra tecnológica para buscar o melhor sinal com a antena de última geração que precisava de uma palha de aço na ponta para poder funcionar, tínhamos apenas quatro canais disponíveis para poder assistir. Ah, também não existia controle remoto, o que tinha era um seletor redondo que, ao girar parecia uma metralhadora e acoplado a ele uma esfera giratória que servia para sintonizar a imagem do canal escolhido. Que maravilhoso não é mesmo! Hoje o sujeito é assinante da Netflix com cinco mil e quinhentos canais com mais seis mil séries, três mil filmes e, ao ligar a bendita Netflix fica quarenta minutos procurando algo para assistir e desiste porque diz não ter encontrado nada interessante ou que gostasse, é de fod**. Aos domingos nossa mãe nos colocava a melhor roupa que tínhamos (geralmente era a única) e íamos para a igreja assistir à missa dominical. Ai de nós se nos atrevesse em fazer algo fora dos padrões da época durante a missa, nossa mãe aproveitava a oportunidade por estar em um local santo e já logo lançava um evento de exorcismo ali mesmo diante de todos. Hoje os pais dizem: “não consigo controlar esse menino”, é porque não teve aulas com minha saudosa mãe. Quando menino, eu me sentia quase um filósofo, pois, num simples olhar eu já identificava toda cultura emocional e artística por trás dos pensamentos de minha mãe. O problema era quando ela exteriorizava essa filosofi a, porque na época os métodos eram quase todos no formato fórceps e, consequentemente, os resultados também eram “fódaps”. Lembro como hoje que em conversa de adulto, criança não se metia, mesmo porque, ainda que você tivesse imbuído com o espírito de um centurião, logo sua mão lhe impunha o famoso “tapa de costa de mão” e toda a sua coragem acabava em menos tempo ao da sua vontade. Mexer na bolsa da mãe?! Só se você tivesse problema de ordem mental e acaso não tivesse fi caria após receber a surra versão “benzedeira” (benzedeira porque era utilizado a espada de são-jorge como instrumento de purificação). Naquela época (pqp, novamente gramática de ancião), não havia tempo nem espaço para síndrome do pânico, depressão, pois vivíamos intensamente cada minuto, em coletividade, religiosidade e a depressão que tínhamos eram apenas nos momentos em que não conseguíamos sair de casa para poder ir ao encontro da liberdade no seio da rua e permanecer na presença dos amigos. Hoje, esse calor em viver diante da coletividade esfriou, por essa razão, ao meu velho jeito de ver, fez com que o ser humano se tornasse apático, sem sentimento e imediatista. Quando um parente próximo está acamado ou no leito de um hospital, o acompanhante assim que chega, saca do seu celular e logo vai tascando uma foto nas redes sociais, com a expressão mais adequada aquela ocasião, com os cabelos ajeitados, com o melhor foco, com o melhor ângulo. Quando um ente querido parte para a vida eterna, as redes sociais reverberam todo esse sentimento, mas se esquecem que a internet não transmite o real sentimento ainda que a imagem fale por si só. Em que pese experimentar, viver é algo muito mais intenso e real. Mas, como tudo e todos possuem seu tempo de validade, não podemos nos permitir em ficar nos lamuriando pôr no meu tempo isso, no meu tempo aquilo. O tempo é semovente e, portanto, o tempo é o agora. Ademais, é preciso acompanhar o tempo em que vivem os atuais jovens, sem dúvidas a tecnologia trouxe problemas de ordem social e emocional, mas, precisamos reconhecer as vantagens, progressos e evoluções vindas na mesma proporção. Não podemos nos ater a maneira como a tecnologia pode nos afetar direta ou indiretamente, o grande pop desse sistema é sabermos lidar com a forma que a tecnologia pode agir em nosso meio social. É preciso encontrar forças para nos adequar ao “novo mundo” e lembrar de que a vida é um eterno aprendizado e aquele que se fecha ao aprendizado se fecha para a atualidade e para a vida. Viver o tempo atual é retratar condições de felicidade, harmonia e saber. Em que pese todo saudosismo, é importante saber que o passado é história, o futuro é um mistério e hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente.

Por Dr. Émerson Tauyl
Advogado Criminalista, especializado em Direito Militar e Segurança Pública, com escritórios em São Paulo e Praia Grande @emerson_tauyl