Saudosismo sem revanche

Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu saudades de alguém, de alguma coisa ou de um determinado momento da vida! Nem mesmo o glossário traduzir ou define o sentimento mais difícil de experimentar, a saudade. Sua riqueza semântica é uma virtude, na gramática, um substantivo abstrato, mas, sobretudo, na prática é concreto. Apesar de não podermos vê-la, podemos senti-la. Em meio a pensamentos, por vezes nos deparamos com a brisa mansa da vida que nos remete a determinada lembrança, geralmente apraz na forma boa outrora vivida. Por óbvio que as boas refletem uma intensidade muito maior às más. A vida é frenética, movente, dinâmica e fugaz, sim, eu sei, quase todas as denominações parecem sinônimas, mas a ideia é exagerar mesmo! Por dever, sentimos saudades do que já aconteceu, de quem nos abandonou, de quem nos deixou, daqueles de quem não nos despedimos, por vezes, é saudade dos que partiram ou dos que não puderam dizer um adeus. Existem multifaces de saudade, pode ser da infância, da nossa puberdade, de laços conjugais, ou outros laços divididos, de quem amamos, de uma amizade perdida, de lugares, de animais de estimação ou de alguém que morreu. Quase todo mundo guarda na memória alguém que marcou a sua vida e por circunstâncias “normais” não se encontram mais nesse plano espiritual. As vezes nos deixam de forma traumática e isso traz para o inconsciente emoções, pulsões e afetos que são considerados repelidos por nós, enquanto indivíduo. Sem muito esforço me recordo dos momentos em que vivi com minha amada mãe. Em verdade, boa parte deles tinham a sensação de uma paisagem bucólica, outros repulsivos onde o chinelo era a linguagem de expressão mais absorvida nos tempos áureos de criação que deixam muitas marcas na lembrança e também no corpo (risos). Confesso que viveria tudo novamente. Esse verniz divisor entre o hoje e o que ficou no passado se encontram nesse mar confluente do sentimento único da saudade que pode ser decorrente da distância ou da ausência. Em formato de confissão reverbero o que ouvi do meu sobrinho, Pedro enquanto conversava com alguns amigos por vídeo chamada de grupo. Um dos amigos em altos brados disse: “meu pai é muito chato e vive me dizendo não pra tudo”, em resposta, meu sobrinho retrucou sem pestanejar: “diferente de você, eu adoraria ouvir do meu pai um único não!”. Ocorre que meu sobrinho não pode ter a oportunidade em conhecer o seu pai, pois este teve o seu passamento quando Pedro ainda estava no ventre materno com apenas 05 (cinco) meses de gestação e, portanto, jamais teve a oportunidade de olhar, sentir ou ouvir a voz de seu “desconhecido” pai. Pois é, difícil, porém real. Quanta imaginação deve passar na cabeça desse rapaz que hoje conta com 13 (treze) anos de tenra idade. A saudade é isso, ou seja, é um dia ter tido e hoje não ter mais, ou então como no caso que narrei nunca ter tido, porém, sentir na mesma proporção. Como diria Oswaldo Montenegro: “a saudade é a metade de seus problemas”. De sorte, podemos sonhar ou imaginar aquele sentimento guardado sendo transportado para a atualidade e assim refutar a perda. Se criança eu fosse confesso que pediria a possibilidade de escolhermos um dia do ano para podermos desfrutar desse momento lúdico com alguém que não mais está entre nós e assim passarmos juntos por vinte e quatro horas de um determinado dia. Parece pouco, mas, o adágio popular nos proporciona a profundidade do sentimento experimentado: “o pouco com Deus é muito”. Com o decorrer do tempo vamos abrindo mão das certezas, mesmo porque já não temos certeza de nada. Tudo é belo, verdadeiro, intenso e durador quando se trata de saudade. Passamos lastimavelmente a mensurar se a ausência é uma falta ou se a falta passa a se tornar uma ausência. Em que pese nosso esforço descomedido nada supera à vontade em poder reviver o vivido. Como dizia o saudoso Cazuza, “o tempo não para” e, portanto, essa saudade não é impeditiva para continuarmos vivendo em nossa plenitude, pois não dominamos a vida, mas, podemos ter às rédeas sobre a qualidade desse viver. O combustível capaz de mover o motor da vida se apoiam nos momentos positivos que, certa maneira, ajudam a nos manter firmes nessa sinergia da vida. Na realidade, podemos afirmar de que a saudade é um portfólio fiel que retarda com maestria o passado. É o fiel registro disposto de que tudo que vivemos fica nos anais da alma. Eu diria que a saudade quando bem nutrida, sustenta o espírito e até a própria existência da humanidade. Nosso coração é um arquivo indelével de saudade armazenada infinitamente capaz de reservar espaço para outras lembranças. Destarte, existem pessoas que até morrem de saudade, mas permanecem em meio à morte vivas entre nós. Basta um retrato (segundo minha esposa, retrato é coisa de idoso), pois bem, foto, cheiro e voz são circunstâncias possíveis para deflagrar a espoleta de combustão da arma letal denominada, saudade. A quem sinta saudade de um presente que não viveu, ou por não ter aproveitado o que não viveu, lembramos do passado e não raras vezes projetamos para o futuro. Tudo isso é prova de que o ser humano em sua essência é sensível, pois amamos e somos capazes de lamentar as coisas boas que perdemos durante o curso da nossa existência. É como um sonho alto e forte que dura até a morte, reflete no coração o apagão da vida, ou pode ser a beleza que deixa de confortar o remanso da distância. Nessa esteira da vida, a saudade é ato de lembrar do que nunca esqueceu, ou de algo presente que perdemos num passado que anda sem pressa para nós. Que bom seria poder desfrutar de uma revanche da saudade! Onde a insegurança, a solidão e o sentimento de perda pudesse ser revivido, ainda que num único momento. A saudade daria lugar de destaque ao regozijo e o futuro fosse somente parte da arte que dependesse exclusivamente do futuro. Porquanto sentir saudade por justo motivo é a mais autêntica forma de ser feliz. Por conclusão, seja a nossa imaginação capaz de nos conduzir nessa estrada pavimentada pela afável emoção de uma saudade, pois, nessa longa viagem desejaria que a sorte virasse rotina e não dependesse do tempo. 

Por Dr. Émerson Tauyl
Advogado Criminalista, especializado em Direito Militar e Segurança Pública, com escritórios em São Paulo
e Praia Grande
@emerson_tauyl

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