Remonta desde o ano de 1865 a obra mais célere do gênero literário e fictício produzida por Lewis Carroll “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”. O tempo foi passando e nossas Alices foram se moldando aos contornos da evolução humana, porém, como no conto literário caíram na toca do coelho branco. Assim como Alice, se julgam extremamente inteligentes para a idade e acreditam piamente já saberem quase tudo e desprezam a experiência dos longevos. A vida se molda à literatura e mais uma vez nossos jovens protagonistas foram transportados para um lugar fantástico do qual revela sua lógica absurda, característica dos sonhos vividos atualmente nas redes sociais. Dada a imperatividade desse veículo, nossas Alices acabam movidas pelo instinto da curiosidade, mas como no mundo lúdico não pensam nas consequências. Essa mutação antropológica serve para ilustrar os efeitos psicossociais produzidos por essa dependência às redes sociais, de cujo teor traz ressonâncias ao âmbito pessoal e familiar. O acesso às redes sociais é a fábrica de ilusões da vida real. Com efeito, a exposição agrega a necessidade de aprovação dos outros, em troca de comentários ou likes, e assim se obter a felicidade constante, fazendo com que a vida real se afaste cada vez mais da realidade. Nossas protagonistas forjam suas vidas nesse mundo ilusório que descortina uma realidade diversa dos registros mostrados. Em verdade, essa história não revela em seu glossário que é impossível ser feliz constantemente e quando a felicidade se torna algo obrigatório vem a vida real e impõe frustrações, aborrecimentos, problemas e tudo que era sonho se torna pesadelo. Segundo o filósofo italiano, Pier Paolo Pasolini: “obsessão pelo sucesso e troca dos contatos corpóreos pelos digitais podem realizar distopia da humanidade insensível”. A globalização atrelada ao avanço digital trouxe essa transmutação social e acabou por criar uma nova “espécie” de “jovens sem futuro” com elevada tendência à infelicidade. Como mostra a vida real, esse narcisismo demasiado com tratamento pessoal como se fossem mercadorias denotam a falta de distinção de classe, valores, estética, estilo de vida, pouca ou nenhuma raiz cultural ou territorial. Passados mais de um século, o conto de Alice se tornou profético diante da situação de “precariedade existencial” e aumento de transtornos mentais que as mudanças neoliberais provocaram na humanidade. A exposição a um determinado padrão de vida diverso da realidade, reforça o sentimento de solidão, pois ao permanecer por mais tempo nas redes sociais o desejo de interagir ou sair se tornam cada vez menor e superficial. Consequentemente, surge a ansiedade decorrente do entretenimento constante e ininterrupto de forma comprometedora à saúde mental. Quando Alice se expõe no fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas no mundo dos sonhos esquece que lá também está repleto de alusões satíricas e enigmas dirigidos tanto por amigos como inimigos. Em que pese editar a própria vida nas redes sociais demonstra a declaração de como gostaria de ser, mas não é. Desta feita, exercer com o fim de contornar a insegurança, o abandono, sua baixa autoestima ou esconder um vazio interior. É preciso entender que a felicidade está disposta nas coisas mais simples da vida, no entanto, é preciso cada um quebrar as amarras e descortinar o seu verdadeiro belo. Minha prezada Alice do mundo atual, consigno, existe um limite entre o virtual e o real; e deve ser respeitado para manter sua saúde mental e consequentemente a sua existência. “Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é hoje a segunda causa de morte entre jovens e crianças – a grande maioria do sexo masculino – entre 10 e 24 anos. Do mesmo modo, a depressão – patologia emocional mais presente no comportamento suicida foi em 2020 a segunda forma de incapacidade mais recorrente no mundo”. Esses dados acendem os holofotes do perigo, pois se trata de um processo de complexidade avançada e não pode ser avaliado de maneira diminuta. Como na linguística protagonizada no conto e na vida real encenam o Chapeleiro Louco, e nessa combinação de condições técnicas, sociais, comunicacionais conciliam na produção de inúmeros casos, uma condição de individualização competitiva e de isolamento psíquico que provoca uma extrema fragilidade, desencadeando por vezes como predisposição ao suicídio. Sem dúvidas as redes sociais é uma expansão enorme e virtualmente infinita no campo da estimulação, que desperta uma aceleração do ritmo do desejo e, ao mesmo tempo, uma frustração contínua. Ao revés do desejo atual, há uma protelação infinita do prazer erótico, hoje esquecido ou afastado pelos jovens atuais. Não creio que as redes possam causar a deserotização do campo social, mas, sobretudo, que as redes funcionam no interior de um campo social deserotizado, concomitantemente potencializam a frustração e aceleram a estimulação virtual. “Cerca de 30% dos jovens entre 18 e 34 anos não tiveram nenhuma experiência sexual, e tampouco desejam tê-la. Nos últimos vinte anos a frequência dos encontros sexuais reduziu a quase metade segundo David Spiegelhalter, professor da Universidade de Cambridge. As causas? Estresse, digitalização do tempo de atenção, ansiedade. Isso produziu o surgimento do que, para Spiegelhalter, é a “single society” [sociedade solteira], quer dizer, uma sociedade associal, na qual os indivíduos estão por demais ocupados em buscar trabalho e relacionar-se digitalmente para encontrar corpos eróticos com os quais se relacionar”. Hoje, o suicídio é gélido, travestido de uma tentativa em se desvencilhar da depressão e da frustração. Notadamente quando falamos de suicídio não falamos do conhecido suicídio dado por romântico, motivado por uma desilusão amorosa, por vingança de um amor ferido ou pelo excesso de pulsão erótica. Por conclusão, entretanto, longe da certeza, estamos nos aproximando do suicídio final da humanidade, por essa razão é preciso nos mantermos fiéis ao texto originário de Alice, em que aos poucos, as suas perspectivas vão sendo confrontadas com as possibilidades irracionais das diversidades enfrentadas e no rompante precisa se transformar e lutar até o final para reaver sua vocação existencial e assim resgatar o maior bem concedido, a vida real e plena.
Por Dr. Émerson Tauyl
Advogado Criminalista, especializado em Direito Militar e Segurança Pública, com escritórios em São Paulo e Praia Grande.
@emerson_tauyl