Muitas vezes, a retomada de um fato histórico serve para retratar o que antes era praticado de maneira reprovável, mas, após muito tempo decorrido perdura na atualidade, com roupagem e mecanismos distintos, porém com a mesma conotação. Basta voltarmos a Roma antiga, que criou a figura do Censor. Sim, caros leitores, Censor que na época era um Oficial da guarda Romana capacitado e, sobretudo, responsável em meio a supervisionar alguns aspectos das finanças governamentais dentre outras atividades. Todavia, a principal função do Censor era realizar, manter os censos e garantir a “moralidade pública”. Aos desavisados, está aí a origem do sentido moderno das palavras “censor e censura”, de cuja função é a de garantir a moralidade. Esse meio de controle social, pode surgir de maneira explícita ou institucionalizada (prevista em lei), com o propósito de proibir a publicação ou o acesso à informação mediante análise prévia. Destarte, a censura pode tomar a forma de intimidação governamental ou popular, onde as pessoas passam a ter medo de expressar ou mostrar apoio a certas opiniões, com medo de represálias pessoais e profissionais e até ostracismo; nesse caso o modus operandi dessas instituições se assemelham a certos tipos de terrorismo (sério que isso aconteceu só no passado?). Bem, a história, por vezes nos traz a ideia de déjà vu, mas seguimos. A censura, enquanto privação das liberdades de expressão, pode ser implantada de diferentes formas, variando conforme o país ou o contexto histórico-social. No Brasil, por sua vez, práticas de censura já estiveram presentes no passado, variando de intensidade em diferentes períodos. Uma das primeiras formas de censura implantadas no país foi a proibição de cultos e rituais de religiões não católicas, principalmente de religiões indígenas, as quais eram muito comuns entre os povos nativos no século XVI. Além de tal privação, nos primeiros séculos da colônia portuguesa no Brasil, apenas materiais da imprensa da Coroa Portuguesa eram permitidos, o que facilitava o amplo controle de informações por parte dos governantes e dificultava possíveis levantes populares. Me parece que nada mudou. Em meio a toda essa tormenta experimentada pela sociedade, em 1935, o jornalista Rodolpho Felippe dava expediente na cela 8 do Presídio Político Paraíso. Detido em “caráter preventivo” pela polícia de Getúlio Vargas, o redator-chefe do periódico anarquista A Plebe sacou de lápis, caneta azul e papel almaço e publicou o manuscrito A Cana, que, em tom satírico, relatava as condições da cadeia paulista. O período de maior intensidade na utilização da censura foi, a Ditadura Militar (1964 – 1985) que contou com o cerceamento de inúmeros direitos humanitários básicos. O epicentro se deu após a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), onde a censura tomou forma de grandes proporções e tudo aquilo de caráter informativo passou a ser fiscalizado e inspecionado por agentes do governo e, caso houvesse qualquer descumprimento ou suspeita, as punições eram declaradas de natureza grave, com aplicação de prisão, tortura ou, até mesmo, morte. Nos últimos anos e, sobretudo, diante da popularização dessa temática, o assunto voltou a ganhar espaço nas mídias, nas redes sociais e nos debates políticos, principalmente no que tange ao debate sobre existir ou não alguma forma de censura em funcionamento no Brasil atualmente. Dada a ascensão dessa prática privativa em diversos governos democráticos ao longo do globo, pesquisas e análises científicas acerca da censura e suas estratégias na política avançam cada vez mais. Com isso, já é possível perceber novas formas de censura, como o disparo de fake news ou declarações polêmicas em canais de comunicação, a fim de desviar a atenção midiática e popular de alguma informação de desinteresse do censurador, seja ele um político, empresário ou governante. Nessa esteira, trazemos à baila parte do trecho extraído do livro, Os engenheiros do caos, do escritor italiana, Giuliano da Empoli, que assim declara: “Cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica e a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento e esse já é eclipsado por outro numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática por trás do absurdo“. A conotação do escritor, reverencia que, atualmente, a cada fake news ou determinado tipo de ação polêmica, pode haver, possivelmente, a intenção subjetiva em esconder e/ou censurar outras informações mais importantes que a ventilada. Por essa razão devemos redobrar nossa atenção e buscarmos outras fontes de informação para assim conseguirmos encontrar o vértice da verdade. A mudança social e política dos últimos anos, proporcionou o despertar do judiciário, o qual assumiu o papel de legislador. Não raras vezes nos deparamos com o noticiário de jornalistas, políticos, influencers digitais, personalidades e até pessoas comuns lançadas na cena por conta de um comentário ou publicação nas redes sociais. Pior, tudo sobre a batuta da “legalidade”. Em que pese o esforço dos constituintes de 1988 em garantir ao direito à liberdade de expressão capitulado no “art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes e no inciso IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Nessa toada, o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) assim define a liberdade de expressão: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras“. Segundo o próprio constituinte de 88, o guardião da Constituição seria a Suprema Corte. Infelizmente essa postura traz à tona uma discussão interminável, pois, como definir a verdade se existem diversas lentes de análise e, portanto, varias verdades. Parece óbvio para alguns, porém, discrepantes para outros. Sem dúvida, a batuta do poder de decidir que deve ou não sofrer algum tipo de punição por conta de um comentário, publicação nas redes sociais é, sem dúvidas preocupante, principalmente quando se deixa centralizar o poder de julgar nas mãos de um único órgão ou pessoa. O grande problema repousa justamente na definição de “verdade”, pois não possui um significado único, tampouco estático e definitivo, sendo influenciada por inúmeros fatores. Nas palavras de Kant, a realidade que conhecemos não corresponde aquilo que é, mas sim ao que a razão interpreta. Se considerarmos os critérios filosóficos para solucionar um problema, quanto a tomar decisões, são influenciados por três tendências que dizem respeito à forma de conhecer e encarar a verdade, sendo elas: dogmatismo, ceticismo e relativismo. Esses temas são repassados nos bancos acadêmicos aos alunos de direito, mas, na atualidade não consigo imaginar como os professores propagam esses conceitos construídos ao longo da história aos seus alunos. Na prática a interpretação jurídica fica cada uma a maneira do seu julgador e conforme a sua intenção, digo, interpretação. Quanto aos livros didáticos e aos estudiosos do direito, dá-se de ombros, pois a verdade está no interior de cada um, a sua maneira, nos ditames da sua intelectualidade e travestidos aos anseios dos interesses pessoais. Com o surgimento da era digital, os livros passaram a ser objetos de perfumaria e lançados ao desprezo, contudo, dentro de cada capa encontramos muita sabedoria. E para finalizar meu raciocínio trago à lide o seguinte: “podem nos tirar tudo, inclusive nosso bem maior, a vida, mas, o conhecimento é algo intangível, de cujo valor ninguém tem o poder de nos retirar esse bem”. Sejamos livres como nas palavras de Martin Luther King: O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.
Por Dr. Émerson Tauyl
Advogado Criminalista, especializado em Direito Militar e Segurança Pública, com escritórios em São Paulo e Praia Grande @emerson_tauyl