Atriz é estrela de monólogo em que dá vida a várias personagens em comédia que discute a saúde mental
Por Renata Rode
Fotos: Rodrigo Lopes
Em “Antes do Ano que Vem”, Mariana Xavier brilha, emociona, nos faz rir e refletir, tudo junto e misturado. Em cartaz no Teatro Unimed, a peça tem direção de Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas e nasceu da ideia da própria atriz. O texto inédito de Gustavo Pinheiro, provoca com muito humor e leveza, a reflexão sobre temas como solidão, empatia, solidariedade e a nova ditadura de felicidade imposta pelas interações virtuais. “Eu sou idealizadora da peça e quando conversei com o Gustavo o briefing que eu dei foi esse: um espetáculo solo pra que eu pudesse ter facilidade para viajar, com um enredo que divirta, mas que emocione ao mesmo tempo. Assim, as pessoas comentam que saem transformadas do teatro e a ideia toda partiu justamente da notícia triste que é um dado que aponta que a virada do ano é uma das épocas com mais número de suicídios e tentativas de suicídio no mundo. Ficamos intrigados porque como uma data que deveria ser a renovação da esperança poderia ser tão triste pra algumas pessoas? Aí ele teve a ideia de tratar do tema de maneira leve e muito habilidosa mesmo”, declara.
Com direção de movimento de Márcio Vieira, o espetáculo é mais uma realização da Trampo Produções e da WB Produções, dos produtores associados Bruna Dornellas e Wesley Telles. A narrativa expõe necessidades, angústias e desejos de sete personagens – todas interpretadas por Mariana Xavier – que encaram a virada do ano com perspectivas bastante distintas. Ao se desdobrar para representar tantos tipos diferentes, a estrela desenvolve uma trama em que as contradições se revelam a partir da hilária (e absurda!) psicologia de Dizuite, a notável faxineira da Central de Apoio aos Desesperados. De uma hora para outra, com a inesperada ausência da psicóloga responsável pelo plantão, Dizuite se vê diante da missão de atender, aconselhar e confortar os mais diversos tipos de pessoas – todas aflitas e desesperadas! – que ligam para o serviço em plena noite de ano novo.
O que mais nos surpreende é que, logo ela, a Dizuite, que teria suas muitas razões para reclamar da vida, vira conselheira e impacta com suas mensagens de otimismo a partir de sua impulsiva e muito própria visão da realidade. Ninguém está sozinho no mundo e talvez seja essa a única certeza que se possa ter. Valorizar pessoas e conexões para encontrar realização deve ser um exercício diário. “O humor abre portas para novas percepções do mundo. Vivemos num tempo em que rir é o primeiro remédio para as nossas mazelas. Com este texto e o grande talento de Mariana, damos um salto além no humor atual que fala das mulheres”, afirma o diretor Lázaro Ramos.
Mariana Xavier confessa que esse é o maior desafio de sua carreira. “Um misto de excitação e medo: é o que toma conta de tanta gente na noite de réveillon e também o que eu sinto nesse momento, encarando meu primeiro espetáculo solo. Antes do Ano Que Vem prova que é possível fazer arte popular com qualidade e sensibilidade. Acredito na comédia como ferramenta não só de entretenimento, mas de crítica e reflexão. Acredito também no poder transformador da empatia e é através dela que esperamos que o público saia do teatro leve, afagado e um pouco transformado também.”
Para uma atriz que iniciou a carreira artística aos 9 anos, inclusive, no teatro, estar de volta aos palcos depois de dois anos de espera é extraordinário. Brilhou como Marcelina do filme “Minha Mãe é Uma Peça” e dessa maneira foi lançada nacionalmente. A artista também atuou nas novelas Além do Horizonte, I Love Paraisópolis e A Força do Querer, foi repórter do Vídeo Show e participou também do quadro Dança dos Famosos, todos na TV Globo, e fez mais 5 filmes. É uma das autoras do livro “Gordelícias” (Editora Planeta). No teatro, atuou em 17 espetáculos, entre eles Quer TC?, O Garoto Que Não Sabe Rir, Escandaloso Desejo de Amar, Histórias Que o Eco Canta e O Último Capítulo. No verão de 2019, outro estouro: “Jenifer”. Quebrando padrões ao protagonizar o clipe de Gabriel Diniz (in memoriam) que foi o hit da estação, Mariana despertou imensa identificação no público, consolidando de vez seu posto de referência de autoestima para muitas mulheres. Aos 41 anos e com um trabalho bastante consistente na Internet, sempre procura mostrar ao seu público que é possível ser feliz e ter uma vida saudável, mesmo fora dos padrões. Ela nos atendeu em uma entrevista exclusiva, literalmente na ponte aérea Rio São Paulo, com o bom humor, o conteúdo, irreverência e talento natos… (sou suspeita pra falar, ou melhor, escrever…)
Você sempre foi uma atriz mais pautada no humor. Isso tem mudado?
Me permita uma correção na pergunta, eu sempre fui e sou uma atriz, que faz comédia muito bem e faz outras coisas muito bem também sem nenhuma falsa modéstia. A questão é que a demanda do mercado pelo meu trabalho sempre foi muito mais pela comédia e eu acho que aí tem dois pontos: um é a vida está muito triste, muito amarga e as pessoas estão mesmo em busca de diversão e aí quando o público vangloria um ator ou atriz que faz comédia bem, eles pedem que se repita a fórmula da coisa. O segundo ponto que não podemos deixar de falar é o preconceito: o estereotipo que eu tento a todo custo combater que o lugar do gordo é esse, de ter que ser engraçado o tempo todo. Felizmente estou chegando num ponto da minha carreira que estou abrindo à britadeira, abrir outros espaços fora da comédia e isso só é possível porque eu sou produtora e idealizadora do projeto.
Você se manifestou bastante com relação à cobrança do corpo perfeito no reality BBB. Como se sente sendo uma das poucas famosas que defende essa bandeira da autoestima tão importante?
Eu me manifestei a esse olhar diferenciado que existe em cima de um corpo gordo e magro, essa pressão toda. Eu não acho que sou uma das poucas que fala sobre isso, cada dia muitas mulheres falam sobre isso. Se a internet veio e tem muita coisa boa e ruim com ela, uma das coisas boas é a propagação disso, da beleza real, da opinião das pessoas, né? Eu não me sinto especial por isso não, talvez eu leve o título de uma das precursoras desse discurso sim só que pra mim quanto mais gente levantar essa discussão, melhor. Minha mãe fala uma frase que eu acredito muito: ‘onde todos trabalham, todos trabalham menos’, então quanto mais gente tiver para dividir esse fardo, fica mais leve pra todo mundo.
A Infomente é uma revista que fala de saúde mental e temas relevantes. Queremos saber o que você faz em seu dia a dia para cuidar da mente?
Terapia: sou defensora ferrenha de que todos deveriam fazer terapia brinco que um dia quero ver o Bolsa Terapia para todos, sabe? O processo de se investigar intimamente, de entender seus mecanismos, por onde as emoções passeiam, enfim… Eu pratico isso e também a espiritualidade, sem rótulos, pode ser de várias formas, cada um com sua crença e eu acredito muito também além das orações em ervas, cristais, energia… Além disso, a atividade física constante que libera hormônios do bem. Ainda, eu acho que aprender a dizer não (que vem junto com a terapia) é um processo em que você tira a capa da mulher maravilha e se poupa, se respeita, sabe? É preciso validar as dores emocionais também e dar importância para esse tratamento com terapeuta, as pessoas precisam olhar isso com mais atenção e amor, sempre.
O que te faz feliz, Mariana? De verdade?
Nossa que pergunta difícil. Tanta coisa me faz feliz. Sentir que minha vida faz sentido, estar com meus amigos, com meu namorado, tomar um banho gostoso, brincar com meu gato… Viajar, saber que eu posso usar minha visibilidade para falar de assuntos que gerem efetiva transformação para as pessoas, me faz feliz. Sentir que eu estou sendo fiel aos meus valores, vivendo um dia depois do outro, sem muita expectativa. Um dos segredos de hoje de eu me sentir tão bem é que eu não pontuo grandes metas, nunca fui uma pessoa de planos megalomaníacos eu estou muito mais longe de onde eu imaginava chegar profissionalmente. Ser feliz não significa que você não vá sentir momentos de tristeza, raiva… Felicidade é um estado permanente.
Tratar de saúde mental de uma maneira tão lúdica no teatro não é pra qualquer ator ou atriz, você tem ciência de sua responsabilidade dentro desse processo?
Eu fiquei feliz que o espetáculo atrasou dois anos porque no fim a peça ganhou outra maturidade, a equipe toda amadureceu com o processo e encontramos o tom certo para abordar questões tão delicadas. Eu fiz um laboratório com voluntários do CVV e tomamos o maior cuidado de não invalidar a dor do outro, nem quantificar, cada um sente da sua forma e é normal e aceitável sentir dor mas o principal passo é buscar ajuda, sempre que necessário.
Como é ser dirigida por Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas?
É maravilhoso, uma honra enorme porque sou muito fã dos dois. É um processo de muito afeto, de muito carinho, de admiração mútua e a parte da loucura é a parte das agendas porque o Lázaro é multifacetado, pega muitos projetos ao mesmo tempo. E estou sendo dirigida por ele também no cinema no Medida Provisória que estreia dia 14 de abril em todo país.
A pandemia foi um momento muito difícil na vida de todos nós, o que ela representou para a Mari, na vida pessoal?
Muita coisa, eu acho que a pandemia esfregou na nossa cara a fragilidade da vida, das desigualdades… Eu acho que seu eu já tinha alguma consciência social ela foi elevada à potência máxima porque teve muita gente dizendo que a gente tava no mesmo barco, mas não é verdade, a gente estava no meio do Oceano e tinha gente no transatlântico no open bar e gente na canoinha furada, sabe? Eu acho que me fez refletir sobre algumas escolhas profissionais, num dado momento eu pensei em desistir da peça que bom que não… Vivi um processo de ansiedade muito bravo porque a impressão que a gente tinha é que estava montando um quebra-cabeças de gelatina tentando montar algo, produzir… E fora as perdas, muitas, a do Paulo, com certeza foi a maior pra mim, como um símbolo mesmo da seriedade da doença porque ele era um cara jovem, saudável, com possibilidade de se tratar com os recursos mais avançados que a medicina possui, e não foi o suficiente para que ele estivesse aqui hoje… Mostra o quanto a gente foi violentado com tanta negligência com relação a essa doença.
Sinopse
Antes do Ano Que Vem é, além de uma divertida comédia, uma história de acolhimento e esperança contada através do olhar de Dizuite, a faxineira da Central de Apoio aos Desesperados (CAD), uma espécie de CVV (Centro de Valorização da Vida). É noite de réveillon, quando há um aumento significativo no número de ligações com pedidos de ajuda. Datas como esta, de “felicidade obrigatória”, fazem aflorar ainda mais as emoções de quem não está lá muito satisfeito com a própria vida. A psicóloga plantonista do CAD não aparece pra trabalhar e Dizuite, que não foi preparada para a função, mas administra com sabedoria popular as dores e delícias do próprio cotidiano, é quem tem que atender aos telefonemas, mostrando àquelas pessoas que vale a pena viver e que ainda dá pra ser feliz antes do ano que vem. Da adolescente traída à socialite falida, a comédia revela sete diferentes personagens que avaliam a vida e projetam seus votos de novo ano em perspectivas curiosas e muito divertidas.
Antes do Ano Que Vem, com Mariana Xavier
Direção de Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos
Teatro Unimed
Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2159, Jardins, São Paulo (a menos de 100m da estação de metrô Consolação)
Curta temporada: de 4 de março a 24 de abril de 2022
Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h.
Inteira R$ 80 (plateia), R$ 50 (balcão), R$ 40 e R$ 25 (meia-entrada)
Clientes Unimed têm 50% de desconto com apresentação da carteirinha
Horários da bilheteria: de quinta a sábado, das 13h30 às 21h30. Domingos, das 10h30 às 18h30
Vendas online: www.sympla.com.br
Duração: 60 minutos
Classificação: 12 anos
Capacidade: 249 lugares
Gênero: Comédia
Todas as sextas-feiras, Mariana faz um bate-papo com a plateia após a apresentação, falando sobre o processo de produção e concepção do espetáculo.
Todas as sessões aos sábados contam com intérprete de libras.
Acesso para pessoas com mobilidade reduzida
Serão exigidos comprovante de vacinação contra Covid e uso de máscara durante todo o espetáculo.
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