Geovana Donella: a conselheira administrativa das empresas familiares

A executiva e conselheira administrativa Geovana Donella é muito mais que especialista em Governança Corporativa para Empresas Familiares. Em meio a uma rotina repleta de compromissos, ela concedeu uma entrevista especial a nossa CEO Andreia Roma e iniciou o bate-papo já detalhando como ela mesma se define.

“Minha vida tem uma paixão: a família. Sou tia e dinda da Laura Donella, uma jovem estudante que representa muito aquilo que meus pais (Waldir e Maria Rosa Donella) sempre me disseram. ‘Coloque amor na educação e você chegará onde seus sonhos querem’. Essa sou eu em minha mais pura versão: atuo como conselheira de Administração ao lado das famílias empresariais e exerço a função com todo o amor do mundo”.

Como boa e eterna aprendiz, Geovana ama dividir conhecimento, tanto nas palestras que ministra quanto nos livros que coordena. “Escolhi palestrar, para dividir experiências e estratégias em anos em administração e governança corporativa e essa é uma das minhas maiores realizações. Desde 2005 viajo pelo Brasil e pelo mundo falando sobre assuntos pelos quais sou completamente apaixonada, para fazer a diferença na vida de cada uma das pessoas que assistem às apresentações”, detalha.

Coordenadora do livro Mulheres no Conselho, em conjunto com a editora Leader e com Henrique Luz, a executiva coloca em prática a missão de jogar todos os holofotes na força feminina representada por mulheres líderes em suas áreas de atuação que encontram um ponto em comum: trajetórias admiráveis e a resiliência necessária para chegarem ao sucesso.

Da menina que começou a trabalhar aos 17 anos na Cobrasma (Companhia Brasileira de Material Ferroviário) como auxiliar de documentação, à mulher que hoje é disputada por grandes corporações, a trajetória foi intensa e repleta de desafios. “Novinha, fui convidada a impulsionar uma start-up de embalagens PET, a Injepet e, em dois anos, a empresa se tornou uma das maiores do mercado brasileiro. Com isso, recebi o convite da Alcoa Alumínio para assumir a cadeira de Superintendência, o que seria um marco para uma mulher dentro da empresa. Lá permaneci por uma década até decidir que queria ter meu próprio negócio. Me desliguei na quinta-feira e no sábado embarquei para a China. Durante o voo, decidi que ia produzir bolsas femininas lá e vender no Brasil. Por isso, montei a minha empresa — a Donella Intertrading. O negócio foi um sucesso. Em insight estratégico, percebi que outras empresas também estavam indo à China para trabalharem com importação. Assim, tomei a iniciativa de finalizar a operação, no auge dela”, relembra emocionada. 

Quando nem o céu é o limite, a sede por conhecimento grita

Para Geovana, a sede de conhecimento gritava mais forte. Mesmo após 7 anos na China, a então empresária decidiu viajar o mundo para lapidar o espanhol e ir em busca de novas ideias. “Foram nove meses de ricas experiências em aprendizado e crescimento pessoal, até que voltei ao Brasil e recebi uma proposta para comprar uma escola de idiomas. Ao analisar essa proposta, debrucei-me sobre os indicadores da empresa e, diante do diagnóstico preciso, fui convidada a conversar com o Carlos Wizard Martins, fundador do grupo Multi. Wizard, então, me convidou para montar uma sociedade, em um negócio pequeno: uma agência de turismo”, conta.

Após 3 meses de operação da agência, Donella foi chamada pelo próprio Carlos Wizard para trabalhar no grupo Multi. Lá, e após uma série de aquisições que resultaram na expansão da empresa, aconteceu a venda do grupo, operação que foi considerada o maior case de educação da América Latina na época.

Após a saída do grupo Multi, a especialista passou a atuar como Presidente do Cel.Lep, escola de idiomas. Suas inúmeras experiências nacionais e internacionais foram divulgadas e fizeram com que outros empresários começassem a requisitar seus serviços como Conselheira. “Com a prosperidade desses negócios para os quais eu era convidada a fazer um diagnóstico, decidi dar meu novo passo: montei minha outra empresa, especializada em Governança Corporativa para Empresas Familiares — Donella & Partners. A partir daí, iniciei meu caminhar para a Governança dentro dos Conselhos de Empresas Familiares e Não Familiares e sinto-me privilegiada por trabalhar com o que amo, diariamente.”

Como a sua jornada profissional a conduziu para a atuação em empresas familiares?

Desde minha primeira experiência profissional, em uma empresa familiar, senti que esse universo me cativava. Esse aspecto familiar muito presente também me acompanhou em outros desafios profissionais desde cedo. Mais tarde, ingressei em uma multinacional, onde atuei na aquisição de empresas familiares para incorporá-las ao grupo. Ao sair dessa empresa, iniciei meu próprio negócio, que também tinha características familiares. Na sequência, retornei ao ambiente de empresa familiar, na Wizard, e, posteriormente, adquiri uma empresa familiar por um private equity americano, o HIG. Essas vivências me aproximaram profundamente desse ecossistema. Conviver com sócios, fundadores e gestores me encantou — e, ao mesmo tempo, me proporcionou o conhecimento necessário para atuar com confiança nesse nicho tão particular e com características tão únicas.

O que despertou seu interesse pelas empresas familiares em comparação com outros tipos de organizações?

A empresa familiar tem uma dinâmica diferente. Envolve emoções, histórias de vida, superações, empreendedorismo — tudo isso me aproximou muito dessa paixão. Elas enfrentam grandes desafios, e eu sou uma pessoa que gosta de grandes desafios. Tenho prazer em lidar com problemas complexos em empresas familiares e acompanhar a transformação até alcançar resultados positivos. Ver essa evolução, transformar uma situação difícil em uma operação estruturada e positiva, é algo que me dá muita alegria.

Na sua visão, o que torna uma empresa familiar única em termos de desafios e oportunidades de governança?

O que torna a empresa familiar única é a sua cultura. Cada empresa tem a sua, e essa cultura reflete a história da família, os valores do fundador e o jeito de fazer as coisas. É algo muito emocional, pessoal, cheio de particularidades. Essa singularidade exige sensibilidade e respeito, mas também estrutura para que a governança funcione bem e respeite essa essência.

Você entende como importante a sensibilidade nas relações com essas empresas. Como essa sensibilidade se traduz na prática do conselho de administração?

A sensibilidade é fundamental na relação com empresas familiares. E precisa haver equilíbrio. Por quê? Porque, ao mesmo tempo em que se deve respeitar a história e o modo de ser da família, também é preciso ser sensível ao resultado do negócio e à sua sustentabilidade. Então, é um campo em que o conselheiro precisa ter muita experiência, habilidade para lidar com questões familiares complexas, boa comunicação, empatia e acolhimento. Muitas vezes, os membros da família não têm familiaridade com os conceitos de governança. Por isso, é necessário que o conselheiro tenha isso tudo genuinamente. Ele tem que ser, ao mesmo tempo, forte nas recomendações, genuíno em acolher dores e abraçar esses sócios para apoiá-los e ajudá-los a se desenvolver.

Poderia compartilhar uma história marcante em que o legado do fundador tenha sido um fator determinante para uma decisão estratégica ou sucessória?

Uma história muito marcante foi minha atuação como conselheira do grupo Leonardo da Vinci. Os fundadores tinham como propósito preparar a sucessão. Uma das filhas assumiria a liderança, mas no início, ela, uma arquiteta, estava cheia de medos, insegura. Trabalhamos a governança da empresa ao longo de cinco anos, estruturando todo o processo. O professor Jorge Mansur, pai da atual CEO, foi determinante para o sucesso dessa transição. Ele acreditava que a governança traria mais solidez à empresa e se comprometeu integralmente com o processo. Sua postura e a do outro sócio, professor Dalvo Cardoso de Oliveira, foi essencial.

Quais são os erros mais comuns nas transições de geração dentro de empresas familiares e como evitá-los?

A transição geracional em uma empresa familiar é um momento crítico, e erros nesse processo podem comprometer o futuro do negócio e os vínculos da própria família. Os erros mais comuns incluem:

  1. Falta de planejamento antecipado: muitos deixam a sucessão para a última hora, o que é arriscado diante de imprevistos como doença ou morte. O ideal é planejar com anos de antecedência, com cronograma, critérios e mecanismos de governança.
  2. Confundir herdeiro com sucessor: ser herdeiro não significa ter preparo ou vocação para liderar. É preciso avaliar perfil, competências e interesse genuíno, e diferenciar claramente os papéis de sócio, gestor e herdeiro.
  3. Fundador centralizador: o apego ao comando pode impedir a evolução do negócio. É importante ajudar o fundador a transitar para papéis como mentor, presidente do conselho ou acionista atuante.
  4. Falta de comunicação entre gerações: supor que todos estão alinhados é um erro. São necessários espaços formais e informais para o diálogo intergeracional, com apoio de facilitadores externos.
  5. Ausência de governança estruturada: sem conselhos e políticas formais, as decisões acabam sendo tomadas de modo informal. Implantar conselhos, protocolos e treinar a família para atuar nos órgãos de governança é essencial.

Dilemas éticos entre preservar a cultura familiar e implementar práticas modernas de governança fazem parte da atividade do conselho? Como resolvê-los?

Os dilemas éticos entre preservar a cultura familiar e implementar práticas modernas de governança são extremamente comuns e fazem parte da atuação madura de um bom conselho de empresa familiar. Esses dilemas não são sinais de disfunção, são sinais mesmo de transição e crescimento. E o conselho tem o papel-chave de mediar, de construir pontes. Por que esse dilema surge? Porque a cultura familiar geralmente valoriza a lealdade pessoal, as tradições e decisões informais, a autonomia do fundador e a preferência por membros da família nos cargos. Enquanto a governança moderna exige outro viés: a prestação de contas, os processos formais de decisão, os critérios técnicos e meritocráticos em vez da questão familiar. Essas duas lógicas podem colidir. Então, o conselho precisa atuar como um divisor desses espaços para refletir, equilibrar, proporcionar o debate e, por fim, decidir. Como o conselho pode resolver esse dilema? Primeiro, deve reconhecê-lo como legítimo e incorporá-lo nas conversas, na agenda do conselho, criando espaços seguros para esses diálogos francos e honestos, o que chamamos também de diálogo intergeracional, para que possa ser resolvido. Muitas vezes os conflitos éticos são, na verdade, mal-entendidos ou expectativas equivocadas. Uma coisa importante também é traduzir valores em políticas. Então, ajudar a criar esse mecanismo para tirar aquela questão do favoritismo, respeitar o valor e a igualdade da família, trazer também conselheiros independentes com escuta mais ativa, pois eles auxiliam, muitas vezes, nessa isenção. É diferente falar com um conselheiro externo e falar só com integrantes da família. Tudo isso ajuda na maturidade da governança.

O que mais inspira você no processo de ajudar uma família empresária a perpetuar seu legado ao longo das gerações?

O que mais me inspira no processo de ajudar uma família é ver a transformação do olhar de curto prazo para uma visão de continuidade. Quando você chega em uma família que está pensando só no dia a dia, naquilo que está acontecendo agora e depois você começa a ver eles tratarem propósito e impacto geracional com responsabilidade, união e consciência. Muitas vezes, eu vi famílias que tinham problemas de relacionamento e, ao arrumar a estrutura da governança da empresa, a família começa a ficar melhor, mais próxima, porque com o problema financeiro e de negócio resolvido, o resto fica bem melhor. Quando a empresa também deixa de ser só um negócio e tem a missão compartilhada, sabe? É muito profundo você trabalhar com uma empresa que é de uma geração nova e que está entendendo que não está apenas herdando uma empresa, mas sim um propósito de vida, um compromisso com os colaboradores, um compromisso com a comunidade, com o futuro da companhia. Ver essa consciência nascer e se fortalecer é muito bonito, é muito bacana. A escuta é gerada na reconciliação, quando eles carregam histórias, feridas, silêncios, e então têm um apoio de um processo de governança e um conselheiro que sabe entender disso tudo. As coisas começam a acontecer, os pais ouvem os filhos, os irmãos se enxergam como parceiros, amigos, o passado dá lugar ao presente em um diálogo, em uma verdadeira cura até relacional. Isso vai muito além dos números. É legado emocional sendo organizado, sendo preparado, é a construções de pontes entre a tradição do passado e a inovação do presente, é a família honrando as raízes, mas, ao mesmo tempo, não se prendendo somente a elas, olhando para o futuro, trazendo práticas modernas, conquistando respeito do mercado, conquistando novas crenças, novos valores. E aí perpetuar esse legado é mais do que manter uma empresa viva.

Se pudesse deixar um conselho para as futuras conselheiras e conselheiros que desejam atuar com empresas familiares, qual seria?

Meu conselho seria: desenvolvam a escuta sensível. Escutem com empatia, como se fossem parte da família, mas falem com a coragem de quem guarda o legado. Conselheiros precisam de mais do que conhecimento técnico. Precisam entender a história, as emoções, os dilemas. Precisam tomar decisões difíceis com firmeza, mas sem desrespeitar o que veio antes. E, sobretudo, vejam cada família como única. Cada empresa familiar é uma nova história. Ao entrar nela, o conselheiro precisa estar disposto a começar do zero, aprender, se adaptar e construir uma trajetória de parceria. Cada atuação é uma oportunidade de criar mais um case de sucesso — com escuta, sensibilidade, coragem e propósito.

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