Ator revela que se desnuda por um papel, mas é tímido na vida real, tendo noção e responsabilidade de sua arte e influência
Por Renata Rode / Fotos Edu Rodrigues
Sabe aquelas ideias que nos arrepiam sem tocar? É essa a experiência que você vai ter agora nessa matéria mais que especial, que traz à tona verdades sobre um verdadeiro trabalhador da arte. E olha que ele me surpreendeu, mais uma vez. Caco Ciocler é desses: repleto de surpresas e uma enciclopédia de puro conhecimento humano. Ao mesmo tempo em que é intenso e exato, ele se aprofunda e deixa o sentimento tocar a alma e, claro, tudo isso transparece em sua carreira, recheada de condecorações, feitos e fãs mundo afora. Quem diria que o paulistano que estreou na TV na novela “O Rei do Gado”, de Benedito Ruy Barbosa, receberia na sequência o prêmio de ator revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA)? Sim, e a saga continuou. Em 2005, dez anos depois, foi eleito o melhor ator do ano pela TV Globo pelo personagem Eddiei Talbot, na novela “América”, de Glória Perez. Participou também das novelas “Duas Caras”, “Páginas da Vida”, “Caminho das Índias”, “Salve Jorge’, “Boogie Oogie”, “Novo Mundo”, “Segundo Sol” e “Éramos Seis”, além das minisséries “A Muralha”, “Quinto dos Infernos’, “JK” e “A Cura”.
No cinema ganhou o prêmio de melhor ator no festival de cinema de Recife por “Família Vende Tudo”, o prêmio
de melhor ator coadjuvante por “Disparos” no festival de cinema do Rio e ainda foi escolhido melhor ator
coadjuvante no prêmio Qualidade Brasil por “Bicho de Sete Cabeças”.
Foi indicado ao Grande Prêmio Brasil de cinema como melhor ator por “Olga” e como melhor ator coadjuvante
por “Elis”. Como diretor, teve o seu “Esse viver ninguém me tira” eleito o melhor documentário no Los Angeles Film Festival, “Trópico de Câncer” eleito o melhor filme no Festival do Minuto e “Partida” ganhando o prêmio especial do Júri de melhor longa-metragem no 14 Fest Aruanda, além de vencer os prêmios de melhor filme nos festivais de Málaga, na Espanha e do Porto, em Portugal. Seu terceiro longa, “O Melhor Lugar do Mundo é Agora”, venceu a Mostra Internacional de SP como melhor documentário.
Em 2017 lançou seu primeiro romance, “Zeide”, pela editora Planeta. Em 2020 protagonizou a segunda temporada
de “Unidade Básica”, no Universal Channel, além de dirigir dois dos oito episódios. Recentemente, na novela “Pantanal”, na Rede Globo, viveu o terapeuta Gustavo e está em pré-produção da terceira temporada de “Unidade
Básica”. Ainda, gravou o longa “As Polacas”, protagonizando o vilão Tzvi. A trama é inspirada em uma história
real, onde ele interpreta o líder de uma organização internacional de tráfico de mulheres. Ufa. Acha que acabou?
Não! Em breve, nos cinemas, ele estará na pele de Jean Pierre, o primeiro empresário do cantor Sidney Magal, no
longa musical “Meu sangue ferve por você”.
Caco, você é um eterno inquieto porque busca evolução enquanto artista o tempo todo. Isso impulsiona ao
mesmo tempo que amedronta?
Excelente pergunta, porque eu desde muito cedo percebi que me sentia melhor em cena do que na vida, para mim, era mais seguro estar ali. Engraçado porque na verdade, o que me amedrontava, não era a vida. Eu nunca tive certeza de como me comportar, não tinha certeza de como as pessoas reagiriam às coisas que eu fizesse e dissesse e os personagens o teatro, a dramaturgia, me garantiam isso, eu sabia quais eram as minhas falas, eu sabia quais eram as reações das pessoas que estariam comigo em cena, então ao contrário, isso me dava muita segurança, então eu acabei usando o trabalho. Então desde muito cedo eu entendi que o trabalho de cada personagem que me era oferecido ou que escolhia fazer, era uma oportunidade de investigar, uma coisa minha, uma musculatura emocional minha que na vida eu não sei se teria coragem. O teatro me dava segurança, os personagens me davam segurança,
ao contrário do que sugere a sua pergunta, para poder explorar, coisas que na vida eu não tinha tanta coragem
de explorar, pois eu não sabia com as pessoas reagiriam, eu não sabia nem mesmo como eu reagiria. E
desde muito cedo, desde muito cedo não, teve uma fase ali que eu estava preocupado em construir uma carreira
e consegui me sustentar. Construí mesmo uma carreira, sólida e consegui me firmar. Desde muito cedo eu
entendi que escolhi uma profissão sagrada, porque ela me exige uma constante revisita e consequente evolução,
mas sempre encorajada pelos personagens. Acho que se não fosse isso, não sei o que seria de mim.
Você sempre fugiu do rótulo de galã, algum motivo para isso?
Eu sempre fugi do rótulo de galã porque sou de uma época onde a escolha por fazer televisão te rotulava um
pouco. Eu vim do teatro e lembro que ainda existia um certo estigma com atores que iam para televisão, existia
um estigma nesse lugar, que a televisão pegava atores, que cumpriam esse rótulo: homens e mulheres bonitos
e bonitas, e eu acho que era um pouco assim mesmo e acho que isso mudou. Eu sempre quis que as pessoas
me enxergassem como ator de verdade. E tem mais, geralmente, ser galã é chato. O personagem galã eram
os personagens menos interessantes, geralmente eram homens e mulheres muito bonitos, e, digamos assim,
apostas. Os galãs foram se complexificando. O streaming ajudou muito nisso. Hoje em dia os galãs não são
chapados, e é difícil você tem que ser um grande ator hoje, uma grande atriz, para segurar o mocinho, o galã,
a mocinha de novela. Hoje eu sei que ser galã não é fácil. Eu acho que a beleza pura, primeiro é relativa, e vai
mudando com o tempo. Segundo que ela é meio boba, eu acho que ficou tolo porque as pessoas estão mais
ligadas ao tipo de energia que você consegue imprimir em determinados papéis. Eu cedo quando para o personagem determinada característica é importante. Fiz isso algumas vezes recentemente, agora quando não é,
um traço importante, ou quando eu entendo que não é um traço importante, muito pelo contrário, também
sei ser horroroso.
Nos encontramos certa vez em um evento sobre café (eu era repórter do Programa da Tarde, da Record TV) e você me ensinou muito sobre café. A paixão continua a mesma? Aliás você disse que o certo é não tomar café com açúcar… Eu menti na TV dizendo que estava gostoso rsssss…
Essa história do café eu lembro, mas não lembro em que momento isso aconteceu na minha vida, porque eu não entendo muito de café. Porque eu minto. Mas realmente eu tomo café sem açúcar até hoje, é muito mais gostoso. Não sei se você já mudou de opinião. Primeiro que estreei na televisão fazendo Geremias Berdinazzi, no Rei do Gado, que plantava café. Meu filho, até bem pouco tempo atrás, trabalhava com café, ele tinha uma terra em Belo Horizonte, que plantava café. Ele era cafeicultor, depois ele desistiu, ele desfez a sociedade dele, mas até hoje ele vende e revende café. Ele sim, é um super entendedor de café. É engraçada essa pergunta. Mas eu não lembro de entender muito sobre café, a não ser o fato de tomar café sem açúcar.
A Infomente fala muito em saúde mental. O que você faz no seu dia a dia para exercitar sua mente?
Eu faço ginástica, caminho, leio, eu tenho que decorar muita coisa e fazer as aulas de Biologia do meu curso. Então, é assim que exercito minha mente. E sou casado com uma psicanalista, que tem me ajudado muito a exercitar minha saúde mental no dia a dia.
Saímos todos fragilizados da pandemia, mas de certa forma também fortalecidos. O que ficou pra você de
lição com relação a isso?
Eu não sei se você perguntou para pessoa sobre saúde mental. Eu não sei se sou um saudável mental, mas olha
eu tenho um médico muito bom de São Paulo, que ele falou: “Olha, Caco depois de tantos anos de Medicina,
eu hoje aprendi que quando estou com um problema, vou fazer uma hora de bicicleta ou uma hora de caminhada,
enfim, vou dar uma volta. Eu acho que só o fato de sair de casa, de ver coisas novas, é curativo”. Hoje, eu tenho plena consciência, de que tudo que a gente passa é ilusório, é uma leitura que você está fazendo do mundo
naquele momento. É impressionante como às vezes eu estou muito triste em um dia, eu vou dormir e amanhã
acordo feliz. Tudo é meio ilusório. Acho que a idade também vai trazendo um pouco essa sabedoria. Eu faço análise
há muitos anos. Mas não é simples assim. Eu tenho dito assim: fazer 51 anos foi uma virada, eu me sinto em
uma curva da vida, e não tem nada ver com envelhecer. De novo, não tem nada a ver com ficar velho, com crise
de meia idade, não é isso, alguma coisa muda. Estou dizendo isso porque manter a saúde mental é um esforço,
e precisamos ter consciência. Não é uma coisa que você conquista e pronto. É um esforço diário, é uma luta diária,
que vai e vem. Eu faço ginástica. Faço bastante ginástica quando eu não estou trabalhando. Quando estou trabalhando eu não consigo. Faço análise. Caminho. Eu tenho um problema muito grande de memória, sabia? Ao
mesmo tempo, tenho que decorar muita coisa e percebo como é importante praticar e exercitar a mente. Decorar,
decorar, decorar. Ler, ler, ler. Faço faculdade de Biologia. Então é isso manter a mente ocupada, com coisas que lhe
interessam.
São tantos projetos ainda para 2022 que vou deixar você falar o que quiser sobre isso nessa pergunta porque quando recebi o release fiquei até zonza… Você não para! E que bom para nós, né?
Pois é, eu não tenho parado já faz algum tempo. Eu não consigo parar, eu me sinto melhor assim. É uma condição
bem íntima, mas eu nem sei se isso é uma dádiva ou é um castigo. Não estou dizendo que isso é uma coisa boa. Às
vezes eu acho que não. Às vezes eu acho que não deveria fazer tanta coisa. Acho que isso não necessariamente seja
um sinal de saúde. Talvez seja um sinal de doença mental inclusive, talvez é assim eu não consigo parar. Minha vida
sem o trabalho, fica esquisitíssima. Porque na verdade não é um trabalho. Na verdade, é um trabalho muito especial,
porque não é um trabalho fora de mim. Não é uma função, é um trabalho que é sempre um mergulho, pra dentro.
Então eu não consigo fazer nada. Eu não consigo não vivenciar esses mergulhos. Eu vivencio esses mergulhos com muita intensidade trabalhando. Nos trabalhos, não na vida. É claro isso se reflete em minha vida sem dúvida, mas os estímulos são os trabalhos, né? Então mesmo quando eu não tenho nada para fazer. Como foi no caso da pandemia. Os pequenos intervalos são raros, mas às vezes acontecem. Eu dou um jeito de fazer, então eu tenho muito projeto. Eu não consigo dar conta. Então não consigo não trabalhar, não é uma opção. É um trabalho que me ocupa, ocupa minha vida, modifica minha vida, durmo com isso acordo com isso. Faz parte do que eu penso, do que eu crio, do que me motiva, é combustível. Trabalho para mim, é um combustível da vida. Este ano rodei dois filmes, eles devem sair ano que vem, dois filmes muito diferentes, mas muito densos e interessantes, que foi o “Magal” e agora o “Polacas”. Agora eu começo a dirigir e protagonizar a terceira temporada de “Unidade Básica”, que vai ser o segundo semestre inteiro. Eu acho que o artista é assim: o cara que não consegue ficar quieto. Eu olho para o mundo e tenho vontade de falar sobre as coisas que eu vejo. A maneira como eu vejo as coisas. É uma necessidade, é como respirar. É isso que me movimenta. Pensar o mundo. Acho que assim, né? Acho que o artista é isso mesmo.
Atuar, escrever, roteirizar, dirigir… Como é fazer tudo isso e ao mesmo tempo se manter equilibrado diante de tantos papéis?
É justamente por fazer tantas coisas que eu me mantenho equilibrado, acho que é contrário. É isso. Acho que tem uma fase que eu passei que minha preocupação maior era de como as pessoas me enxergariam, como eu construiria uma carreira para que eu pudesse sobreviver dela. Essa fase angustiava muito. Passado essa fase, aí é tão gostoso, porque eu fui virando mais artista assim, menos um ator e mais um artista. Então não é aí como eu me equilibro, é justamente por isso que eu me equilibro, eu não consigo olhar, pro mundo a minha volta, para minha vida e me contentar em observar, e não emitir uma opinião sobre isso, vou repensar, uma existência para além de uma vida mais cotidiana. Então isso é um artista, é isso que me movimenta, que me equilibra, se você me tirar isso, essa possibilidade, se acontecer comigo for um silenciamento, aí que eu desequilíbrio. Repito: não estou dizendo que isso seja ótimo. Talvez isso seja uma grande doença. Talvez o mais saudável fosse eu conseguir, ficar feliz, em existir. Talvez fosse um sinal de saúde. Então não estou falando assim para me vangloriar de nada, mas é como funciona para mim.
São 26 anos de carreira e você acabou de completar 51 anos com corpinho e disposição de muito menos (com
todo respeito a sua família, na verdade é o que o público diz também) qual é o segredo?
Essa coisa de fazer 51… Isso foi tão engraçado porque eu claro tive umas fases com esse apelo quando era mais
novo, sei lá “Muralha”, “Páginas da Vida”, mas teve um pouco esse apelo, mas eu sempre fui um pouco preguiçoso,
com minha aparência física. Mesmo preguiçoso mesmo. De cortar cabelo, de fazer a barba, de fazer dieta, nunca fiz isso assim, e eu estava muito assim nessa onda, e envelhecendo porque a gente vai envelhecendo, e as coisas
vão ficando cada vez piores. Então se você por exemplo, assistir “Novo Mundo’, eu estava literalmente um caco, e
estava tudo bem, tudo certo, mas aí veio “Segundo Sol”, foi um ponto de virada interessante na minha vida, porque
assim o personagem que fazia, o Edgar, era um personagem que todo mundo esculachava: “você não serve para
nada”, “você é um zero à esquerda”. Era um personagem com autoestima muito baixa. E eu fui assim para leitura.
E quando terminou a Fabíola Nascimento, gênia, me chamou no canto e falou para mim: “Caco, o meu personagem
precisa se apaixonar pelo seu, não dá se você fizer o personagem assim, fica difícil para mim”. E eu falei: “Mas
Fabíola ele está escrito assim, todo mundo diz na cara dele que ele é um bosta, que ele não serve para nada”. Aí ela
falou: “Então, Caco, mas justamente uma pessoa que tem uma autoestima tão baixa, a gente conhece alguns exemplos, a pessoa dá um jeito de tentar esconder, então, eu acho que você tinha que apostar no contrário assim”. Eu falei: “Uau, obrigado” e pensei: “esse personagem só vai ser suportável se ele tentar ser oposto do que ele é, eu
acho que esse cara é um cara de academia, que fica compensandoa baixa autoestima, tentando ser o cara”. Eu
falei: “Uau que sacada né?”. Então eu fiz isso em nome do personagem, o Edgar só será minimamente suportável
se ele apostar no oposto. Então eu fui para academia, fiz uma dieta violenta, e rápida, porque eu tinha pouco
tempo para me preparar, foi uma decisão em nome do personagem. Percebi que o personagem só ia funcionar
assim com essa energia, então o Edgar virou esse cara. No começo da novela, depois foi virando outra coisa, mas foi
em nome do personagem. Foi uma revolução de fato. Eu já era avô, não sei quanto tempo tem a novela, mas já tinha
meus 40 e muitos anos e fiquei bem assim. E vi que era possível em primeiro lugar, segundo que isso era muito
benéfico para minha vida pessoal. Então meio que salvou minha vida, sabe? É isso. Mas é sempre em nome do personagem, agora em “Pantanal” foi meio que parecido. O personagem era meio complicado, também que a gente
decidiu dar um upgrade desde o figurino até o visual, até a preparação, porque ele era a ponta mais fraca de um
triangulo amoroso, a virilidade estava toda do outro lado, do lado do José Leôncio. É um personagem que é escrito
meio como o deixado de lado, e a gente queria reforçar o outro lado, que ele fosse minimamente interessante, então teve um pouco esse apelo.
Você foi pai novo e agora tem a missão de avô novo também… O que te move, te inspira e te amedronta
diante desse desafio pessoal?
Pois é essa coisa de ser avô todo mundo me pergunta. Infelizmente, não sei se a gente pode falar “infelizmente”, é
tudo tão relativo. Meu filho faz alguns anos que não mora mais em São Paulo e nem no Rio. Que são as cidades que
eu mais transito. A gente vive fisicamente distantes, da minha neta também. Hoje, eles estão morando lá no Sul,
com planos para sair do país para fazer um curso. Eu não sou esse avô da proximidade física, do dia a dia, que dá
uma pena assim, porque avô é muito isso. Avô é o cara que vai em casa, que a gente vai na casa, que vem visitar,
que a gente vai visitar, que leva para passear essas coisas assim. Essas coisas para mim são mais raras. Claro que
a gente faz isso, mas moramos longe então nos falamos direto pela internet. Resumindo? Acho que sou um avô
de tablet. Embora, a gente se goste muito. Ela sempre fica muito feliz quando me vê, eu quando a vejo. E vale lembrar que o desafio de ser pai não termina, eu fico tentando ser o melhor pai do mundo. Não sei se consigo. Não sei se eu sou, mas meu filho já está com 25 para 26. Então já é um homem também, mas eu sinto que a gente está mais próximo do que nunca. Somos dois adultos, somos dois pais na verdade, e o que mais me emociona, é ver o pai que meu filho escolheu ser. Que ele tenta ser. Eu consigo ver as referências que ele tem, pro bem e pro mal, que
ele herdou de mim. As coisas que ele tenta reproduzir, se não que ele gosta, as coisas que ele tenta fazer diferente,
altera as coisas que ele não gostava. Isso é muito bonito assim. Ver ele sendo pai. Muito bonito, muito angustiante,
porque tem coisa que eu não concordo também, mas isso para mim, é coisa mais linda assim, mais mágica. E ela é
uma fofura. Eu lembro quando eu era criança, eu tenho até um livro que escrevi intitulado “Zeide”, que fala muito
sobre meu avô também, mas avô/avó a gente acha que é uma coisa, meu avô/avó é uma coisa para gente. Eu lembro quando eu descobri que minha avó era mãe da minha mãe foi um choque. Eu não sabia que minha mãe podia ter mãe, que meu pai podia ter pai, e que aquelas pessoas que eu chamava de vô e vó eram, na verdade, pais. A minha neta sempre pergunta assim: você é o pai do meu pai? Toda vez eu falo: “sou o pai do seu pai”. Não sei o que ela entende do que sou. Essa pessoa que aparece no tablet e que a gente vê de vez em quando e que todo mundo diz que sou o pai do pai dela. Não sei, é muito engraçado.
Por falar em vida pessoal você sempre foi muito reservado com relação a isso. Qual motivo?
Pois é em relação a reserva, eu acho que esse é um preço que nós artistas, atores, temos que pagar. Eu acho que
a exposição é extremamente prejudicial, inclusive, para o trabalho, e é fácil de explicar isso, por que o ator, o artista,
principalmente o ator, por tudo que eu já falei nas outras questões, ele é fundamentalmente um observador, é alguém que olha para o mundo curioso. Você vai para um lugar e todos os olhares se dirigem a você. Ou você vai a
um evento, você vira atração do lugar. Você sai do papel de observador, para o papel de observado. E a gente vai
se acostumando com isso. Então eu acho extremamente prejudicial. Então sempre me incomodou muito a exposição. E hoje mais ainda, porque hoje, é tudo tão maluco. Tornar público uma coisa que era para ser privado. A
gente perde a capacidade de dialogar. Nas redes sociais virou um inferno. Nossa isso me assusta muito. Então eu
acho que é opção mesmo assim. Eu não quero isso para minha vida. Ou quero o mínimo possível, mas pago um
preço, porque o mundo gira em torno disso hoje. Isso é uma maluquice. Eu não tenho resposta, estou inclusive,
escrevendo uma série sobre isso. Tá vendo? As coisas que me incomodam eu transformo em obra porque é isso: é
meio um suicídio, hoje em dia você não querer fazer parte disso. Mas eu não quero fazer parte disso, mas eu sei que
preciso em algum lugar. É uma questão.