Dra. Claudia Talaga: uma vocação chamada “saúde da mulher”

“O equilíbrio entre corpo, mente e espírito é fundamental para uma vida plena e saudável”

 

Por: Renata Rode e Priscilla Silvestre 

Fotos: Sabrina Cordeiro

Os baixos índices mundiais de saúde da mulher acendem um alerta para que mais cuidados e prevenções sejam recorrentes. Em 2021, 75.682 mulheres em idade fértil morreram por causas evitáveis no Brasil. Essa realidade se espalha por todo o mundo, já que a pontuação geral do Índice Global de Saúde da Mulher em 2021 foi de apenas 53 em 100, um ponto abaixo em comparação a 2020. Nenhum país obteve mais de 70 pontos em 2021, com Taiwan, Letônia, Áustria e Dinamarca nos primeiros lugares. Três países atingiram menos de 40 pontos: Afeganistão, Congo e Venezuela.

Ciente de seu papel profissional no mundo, a ginecologista e obstetra Dra. Claudia Regina Ribeiro Talaga, de 53 anos, vem nesse “Outubro Rosa” falar sobre cuidados na saúde feminina, assunto que ela domina há 28 anos. Com título de especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (TEGO) em 1999, a médica também tem certificação em Vídeo-Laparoscopia e Vídeo-Histeroscopia, emitida pela Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em 2001, e certificação no sistema Da Vinci de Cirurgia Robótica. 

A medicina sempre foi mais que uma carreira, foi um chamado. “Decidi fazer medicina na adolescência, com quase 15 anos. Desde o momento em que tomei essa decisão me dediquei até entrar na faculdade de Medicina do ABC, em 1991, e no período de graduação descobri o amor pela saúde da mulher. Acredito que a ginecologia e obstetrícia são áreas que permitem uma atuação ampla, desde a prevenção e promoção de saúde até intervenções cirúrgicas e tecnológicas de ponta, como a laparoscopia e a robótica, que são campos de grande interesse para mim. Essa especialidade é rica em oportunidades para crescimento, tanto no cuidado personalizado quanto nas inovações médicas”, ressalta.

Casada e sem filhos, ela diz que vive bem com o fato de não poder engravidar. “Conheci meu segundo marido, que é americano, em um curso de inglês. Ele queria treinar a nossa língua, enquanto eu queria treinar o inglês. Estamos juntos, felizes e eu já sabia que não poderia ter filhos no meu primeiro casamento, quando eu tentei. Mas está tudo bem em relação a isto. Hoje meu trabalho é trazer vidas ao mundo e renovar vidas femininas. Sou adepta da medicina integrativa, porque a mulher precisa ser vista como um todo: é preciso conversar com cada paciente e entender os sintomas para tratar a causa do problema em sua raiz. Esse é meu propósito”, defende.

Neste bate-papo exclusivo, a médica fala sobre o mês de prevenção e conscientização do câncer de mama, cuidados fundamentais na saúde feminina, erros e acertos das mulheres na atualidade e o que mudou com a pandemia. Confira!

O que dizer sobre este mês tão importante para a saúde feminina?

O Outubro Rosa é uma campanha global de conscientização que ocorre anualmente no mês de outubro, com o objetivo de informar e alertar a sociedade sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. A iniciativa promove a realização de exames, como a mamografia, e incentiva o autocuidado, aumentando as chances de cura quando a doença é detectada nos estágios iniciais. Além de conscientizar, o movimento também oferece apoio às mulheres que enfrentam o câncer, reforçando a importância do cuidado integral com a saúde feminina. Mas, além disso, quero ampliar as informações para a saúde da mulher integral em todas as fases de sua vida. Desde a adolescência até a menopausa, a saúde feminina envolve momentos únicos e, muitas vezes, delicados, como a gravidez, o parto e os desafios hormonais. Aproveito este mês para levar a mensagem principal, que é a importância da prevenção e diagnóstico precoce não só do câncer de mama, bem como a importância de não ignorar sintomas como dor e normalizar estas queixas, para incentivar as mulheres a fazerem seus exames preventivos.

Na sua opinião as mulheres estão adoecendo mais? Por quê?

Excelente questão, temos duas possibilidades aqui. Primeiramente, hoje, com o avanço das tecnologias de diagnóstico e o acesso ampliado aos exames de rastreamento estamos identificando mais casos, muitas vezes, em fases iniciais da doença. A conscientização, como a promovida no Outubro Rosa, também tem levado mais mulheres a procurar cuidados precoces. O mesmo vem ocorrendo no diagnóstico da endometriose, com exames diagnósticos mais precisos e equipe médica mais treinada, o que leva a um aumento nos números de diagnósticos. Em segundo lugar, estamos observando um adoecimento maior, e isso é consequência de algumas causas: o estilo de vida moderno, com dietas inadequadas, sedentarismo, aumento de obesidade e estresse crônico, tudo isso pode estar elevando o risco de doenças como o câncer, doenças cardiovasculares e problemas metabólicos. A maior longevidade também é um fator importante. Com o envelhecimento da população, há uma prevalência maior de doenças crônicas e degenerativas, que são mais comuns em idades avançadas. 

Hoje um dos grandes problemas enfrentados por elas é a endometriose?

Sim, a endometriose é um dos grandes problemas enfrentados pelas mulheres atualmente. Estima-se que de 10 a 15% das mulheres em idade reprodutiva sofram com essa condição, que muitas vezes demora a ser diagnosticada e pode impactar profundamente a qualidade de vida. A endometriose é uma doença crônica em que o tecido, semelhante ao endométrio, que reveste o útero, cresce em outras áreas do corpo, como ovários, trompas, intestino e outros órgãos, causando dor severa, infertilidade e outros sintomas debilitantes. A falta de conhecimento e conscientização sobre a endometriose, tanto entre as mulheres quanto entre alguns profissionais de saúde, contribui para diagnósticos tardios, o que agrava os sintomas e pode dificultar o tratamento. A endometriose, assim como outras condições femininas crônicas, requer atenção contínua e um diagnóstico precoce para melhorar a qualidade de vida e oferecer um tratamento mais eficaz. 

Por que aumentou tanto o número de casos?

Pode ser atribuído a uma combinação de fatores que são a melhoria nos exames diagnósticos de imagem, como a ressonância nuclear magnética, e a capacitação de profissionais que realizam o USG Transvaginal com preparo intestinal para mapeamento da endometriose, se tornaram mais acessíveis e eficientes, permitindo identificar casos que antes passariam despercebidos, como também a mudança do estilo de vida moderno. O aumento do estresse, da obesidade, exposição a poluentes ambientais e a substâncias químicas (disruptores endócrinos) podem contribuir para o surgimento e agravamento de condições ginecológicas, incluindo a endometriose. Outro fator está ligado ao adiamento da maternidade. E, com isso, maior exposição ao estrogênio, hormônio associado à progressão da endometriose. A dieta inadequada, sedentarismo, exposição a poluentes e altos níveis de estresse são fatores que podem estar associados à maior prevalência de doenças inflamatórias, incluindo a endometriose. 

E quanto às infecções?

As infecções ginecológicas, como vaginoses bacterianas, infecções por fungos e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) também são um problema significativo para a saúde das mulheres, e há alguns fatores que contribuem para a percepção de que o número de casos aumentou. Como já citei, um deles é a melhoria nos métodos diagnósticos, como testes moleculares mais precisos. Além disso, as mulheres estão mais conscientes da importância de manter consultas regulares com o ginecologista e realizar exames preventivos, o que aumenta a detecção. Ainda, notamos mudanças no comportamento sexual, com maior exposição a agentes infecciosos devido a múltiplos parceiros sexuais e falta de uso consistente de preservativos e de práticas seguras, o que contribui para um maior fator de risco, infelizmente. É claro que não podemos deixar de listar o estilo de vida e estresse, que podem enfraquecer o sistema imunológico e aumentar a suscetibilidade a infecções.

O que mais compromete a saúde feminina atualmente?

Vários fatores comprometem a saúde feminina, estando entre os principais as doenças crônicas e estilo de vida, como obesidade, sedentarismo e alimentação inadequada. Estes são grandes vilões, levando ao aumento de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, que são as principais causas de morte entre as mulheres. Há também a saúde mental, já que a depressão, ansiedade e estresse crônico estão em alta entre as mulheres, exacerbados por múltiplos papéis, como carreira, família e responsabilidades domésticas. A saúde mental está intimamente ligada ao bem-estar físico. Temos também a infertilidade e distúrbios hormonais, pois a infertilidade tem se tornado uma preocupação crescente, assim como condições hormonais como a síndrome dos ovários policísticos (SOP) e distúrbios da tireoide. 

Sobre maternidade, elas estão deixando essa vivência para mais tarde?

As mulheres estão adiando a maternidade por uma série de razões que refletem mudanças culturais, econômicas e sociais. Alguns dos principais motivos incluem o foco na carreira e educação, a busca pela independência financeira e pessoal e o acesso a métodos contraceptivos eficazes, que permitem às mulheres controlarem melhor quando querem ter filhos. Ainda, é preciso citar as mudanças sociais e culturais, além dos avanços na medicina reprodutiva com relação à tecnologia. Essa tendência de adiar a maternidade reflete o desejo de equilibrar as aspirações profissionais e pessoais, junto com a busca por maior segurança financeira e planejamento consciente de uma futura família.

Qual sua opinião sobre isso?

Adiar a gravidez é uma decisão pessoal e deve ser respeitada, pois envolve muitos fatores, como desenvolvimento profissional, estabilidade financeira e questões emocionais. No entanto, é importante que as mulheres tenham total consciência de que, especialmente em casos de condições como a endometriose, o adiamento pode impactar negativamente a fertilidade e a progressão da doença. Eu sempre encorajo minhas pacientes a se informarem sobre sua saúde reprodutiva e a considerarem alternativas, como o congelamento de óvulos, caso decidam adiar a maternidade, para garantir mais opções no futuro. O mais importante é que a decisão seja feita com base em informações precisas e com o acompanhamento médico adequado, para que possamos minimizar os riscos e otimizar a saúde reprodutiva.

Na sua opinião, as mulheres estão “sobrevivendo” ao invés de viverem?

Sim, muitas mulheres, especialmente quando enfrentam desafios de saúde crônicos, como a endometriose, além das pressões da vida moderna. As exigências de carreira, família e até mesmo a busca incessante por perfeição colocam muitas mulheres em um ciclo de estresse e exaustão, deixando pouco espaço para cuidarem de si mesmas e de sua saúde. Ao invés de priorizarem seu bem-estar físico e emocional, muitas vezes elas adiam a maternidade, a atenção aos sinais do corpo, ou até mesmo os cuidados preventivos essenciais. Acredito que é fundamental promover uma conscientização não só sobre doenças como o câncer de mama no Outubro Rosa, mas também sobre a importância de um cuidado integral e preventivo que permita às mulheres viverem plenamente, ao invés de simplesmente sobreviverem. O autocuidado, a prevenção e o diagnóstico precoce são passos fundamentais para mudar essa dinâmica, garantindo que as mulheres possam assumir o controle de sua saúde e viver com qualidade, e não apenas lidar com as consequências de uma vida sobrecarregada.

Qual a importância da medicina integrativa na saúde feminina?

A medicina integrativa é essencial para a saúde feminina por oferecer uma abordagem integral e personalizada. Ela combina tratamentos convencionais com terapias complementares, como acupuntura, nutrição e práticas mente-corpo, focando tanto no bem-estar físico quanto emocional. Essa abordagem promove a prevenção, melhora a qualidade de vida e ajuda a tratar condições crônicas, como endometriose e distúrbios hormonais. Além disso, empodera as mulheres a participarem ativamente do cuidado com sua saúde, incentivando o autocuidado e o equilíbrio entre corpo e mente.

Há muitos casos em consultório que englobam falta de saúde mental?

Tenho alguns casos sim, e, para isto conto, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar para poder orientar minhas pacientes, como psiquiatra e psicólogos. A saúde mental realmente desempenha um papel crucial no bem-estar geral das pacientes, especialmente considerando as demandas da vida moderna, condições crônicas como a endometriose, e os desafios hormonais que podem afetar o equilíbrio emocional.

Como é sua rotina? Como consegue equilibrar as áreas?

Minha rotina é intensa, trabalho muito, durmo pouco. Mas eu tento equilibrar, sim. Faço dieta, exercícios físicos, exames regulares e tiro férias também. Muita gente me pergunta se como médica consigo ter vida pessoal e eu respondo que tudo é possível, mas eu sou muito dedicada e gosto de trabalhar, amo o que faço, então, não vejo meu trabalho com um grande estresse. Desta forma, vivo em paz e feliz, fazendo o que escolhi. Tenho vida pessoal, me esforço para ter equilíbrio. É importante para se viver bem.

Qual conselho a senhora daria pra você aos 15 anos?

Um conselho poderoso que poderia dar para mim mesma aos 15 anos, considerando sua força, dedicação e perseverança, seria: “Continue acreditando no seu potencial e nas suas habilidades, porque o caminho que você escolheu vai exigir esforço, mas as recompensas serão enormes. Não tenha medo dos desafios e das dificuldades que virão, porque são eles que vão moldar a sua força e resiliência. Confie no processo, mas lembre-se de também cuidar de você ao longo da jornada. Cultive o equilíbrio entre seu trabalho árduo e o autocuidado, porque sua saúde física e mental é essencial para alcançar seus sonhos. Não se esqueça de que, além de ser uma profissional de excelência, você merece viver plenamente, aproveitando cada fase da sua vida com alegria e presença”.

Como cuida da sua saúde mental?

Eu acredito que o equilíbrio entre corpo, mente e espírito é fundamental para uma vida plena e saudável. Para mim, a prática regular de exercícios físicos é uma parte essencial do meu autocuidado. Além de melhorar minha saúde física, me ajuda a manter a mente clara e equilibrada, me preparando melhor para os desafios diários. Outro pilar importante na minha vida são os meus relacionamentos. Tenho a sorte de ter ao meu redor amigos e familiares que me apoiam, e um casamento que é uma fonte constante de amor, respeito e parceria. Esses laços me dão força e me lembram da importância de compartilhar a vida com aqueles que amamos. Por fim, minha fé em Jesus Cristo é o que me guia e sustenta em todos os momentos. Através da fé, encontro paz, propósito e a certeza de que, independentemente das circunstâncias, há um plano maior para minha vida. Essa combinação de saúde física, bons relacionamentos e espiritualidade me permite viver de forma mais consciente, grata e focada em ajudar os outros.

A pandemia serviu para que o ser humano se reinventasse, mas, na sua opinião, a cobrança aumentou? Como vê sua profissão antes e depois da pandemia?

A pandemia foi, sem dúvida, um momento de reinvenção para o ser humano, mas, na minha opinião, trouxe consigo um aumento significativo das cobranças. As expectativas sobre produtividade, desempenho profissional e pessoal se intensificaram, mesmo diante de um cenário de incerteza e desafios emocionais. Muitas pessoas tiveram que lidar com o peso de se adaptar rapidamente às novas circunstâncias, enquanto equilibravam suas próprias preocupações de saúde e bem-estar. No contexto da minha profissão, antes da pandemia, o foco estava mais no cuidado presencial, com a confiança no toque humano, na proximidade com as pacientes e nas interações face a face. Havia uma rotina estabelecida, e a maioria das consultas e tratamentos seguia um padrão. Entretanto, com a pandemia, a prática médica mudou. A necessidade de distanciamento físico e o risco de contágio trouxeram novos desafios. As consultas começaram a ser permitidas da forma remota, e isso exigiu uma adaptação rápida, tanto no uso da tecnologia quanto na forma de conduzir o atendimento. A pressão para estar sempre atualizada, tanto nas mudanças em protocolos de saúde quanto nas novas maneiras de oferecer suporte às pacientes, aumentou significativamente. Hoje, após a pandemia, vejo minha profissão de forma diferente. Entendo que a medicina foi além do consultório, exigindo ainda mais conhecimento tecnológico e flexibilidade. As pacientes também passaram a buscar mais por um cuidado integral, envolvendo saúde mental e bem-estar emocional, e não apenas os aspectos físicos da saúde. A cobrança, tanto interna quanto externa, cresceu, mas também trouxe a oportunidade de expandir as formas de atendimento e melhorar a personalização dos cuidados. Em resumo, enquanto a pandemia nos desafiou a nos reinventarmos, também aumentou as expectativas e cobranças, exigindo mais de nós como profissionais e como pessoas.

Que mensagem gostaria de deixar para as mulheres que estão lendo sua história?

A vida de cada mulher é feita de desafios, superações e momentos de transformação. Ao longo dessa jornada, é essencial que cada uma de nós lembre-se de que nossa saúde, tanto física quanto mental, deve ser uma prioridade. Vivemos tempos de grandes cobranças e expectativas, mas é possível encontrar equilíbrio entre cuidar de quem somos e das pessoas ao nosso redor. Não tenham medo de buscar ajuda, seja no campo físico, emocional ou espiritual. A prevenção, o autocuidado e a coragem de olhar para si mesmas com carinho e atenção são fundamentais para uma vida plena. Vocês são fortes, resilientes e merecem viver com qualidade, não apenas sobreviver. E, acima de tudo, lembrem-se de que a fé em Deus e em seus próprios sonhos pode ser a luz que guiará cada passo. Sigam firmes na busca por uma saúde integral e por uma vida cheia de propósitos e esperanças, e saibam que o caminho para o bem-estar passa pelo amor-próprio, pela conexão com o outro e pela fé no futuro.

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